A armadilha da personalidade crowleyana

Aquilo comum à todo thelemita para além da Verdadeira Vontade e Grande Obra ou uma autocrítica dolorida demais para não te envolver e não me sentir sozinho

Victor Vieira
2 min readMay 28, 2024

É de conhecimento comum entre aqueles que leram ao menos uma biografia de Aleister Crowley que sua personalidade foi polêmica. Tanto elogios quanto denúncias contribuíam para divulgar seu nome e seu motto mágico de profeta do Novo Aeon, To Mega Therion. As palavras dirigidas a eles (e aqui me refiro no plural a todos os nomes que Aleister Crowley assumiu) eram, de certa forma, desejadas, pois despertavam curiosidade, mesmo que através da polêmica. Para nós, thelemitas, esse homem sempre foi intrigante de qualquer maneira.

Percebo que isso também é comum a todos os thelemitas que conheci, mesmo que em níveis quase imperceptíveis. Se você já cruzou meu caminho e é thelemita, é muito provável que eu também esteja me referindo a você e a mim.

A “personalidade crowleyana” pode ser considerada o “pacote básico do thelemita médio”, independentemente da idade, gênero ou classe social. E ao escrever isso, não estou sugerindo que existe um thelemita acima ou abaixo da média, mas tentando provocar o maior número possível de thelemitas sem me excluir desse grupo de pessoas tão intrigantes quanto eu ou Aleister Crowley.

Somos, de certa forma, discípulos daquele que nunca combateu as famas de “homem mais perverso do mundo” ou “sacrificador de crianças”, mesmo que essas não fossem verdadeiras.

Falar desse tipo de personalidade não expõe necessariamente pessoas escandalosas e carentes de atenção, que fazem de tudo para ter seus 15 minutos de fama, mas sim aqueles que se dizem thelemitas e se incomodam com os barulhentos, assumindo uma “castidade” cafona sobre a conduta do mago. Pois, sinceramente, o que vejo nesses “fiscais de comportamento” é um “Faze o que tu queres, mas não prejudique minha imagem, pois vão me associar a você”.

Esses “castos” cafonas, que clamam por um comportamento ilibado, estão preocupados apenas com sua própria conduta, que aparentemente não é suficiente para falarem de si mesmos.

Você aí, fiscal de conduta, repita comigo: “não me sinto capaz de representar a mim mesmo, preciso de pares para me validar”, e está tudo bem. Para te ajudar, posso mencionar Lévinas, que nos deixou a proposição fenomenológica de que “o outro precede o eu”.

Como thelemitas, afirmamos que a Lei é fazer o que quisermos, dizendo que se trata de seguir nossa essência e não nossos desejos pueris. No entanto, se nem mesmo eu tenho todas as ferramentas para identificar minha essência, como poderia identificar essa mesma partícula comum à conduta do outro? Digo isso porque, no fim, os fiscais de conduta são fiscais da Vontade alheia.

Portanto, afirmar a personalidade crowleyana é também reconhecer que Crowley foi um grande fiscal da Vontade alheia, assumindo para si uma perfeição adaptada aos seus próprios valores, maquiada de permissividade e inteiramente hipócrita.

Clamo aqui pela nossa hipocrisia em nome da nossa paz e contra todo o desgaste que nos acometerá ao longo do tempo através do que vem associado à nossa egrégora.

Por mais hipócritas assumidos, ou discípulos de Diógenes antes de Aleister Crowley.

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Victor Vieira

Tarólogo, praticante e pesquisador de assuntos correlatos à magia e ocultismo. http://instagram.com/victoreuvieira